Reflexões sobre política e gestão culturais

 Enviado por  • ?Cultura e Mercado
Ex-secretária nacional da Economia Criativa, Cláudia Leitão é consultora da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) sobre a área, entre outras funções acadêmicas. Ela está lançando o livro “Cultura em Movimento: Memórias e reflexões sobre políticas públicas e práticas de gestão” (Editora Armazém da Cultura).
reflexão pensarEscrita a quatro mãos com a ex-assessora de marketing da Secretaria da Cultura do Ceará, Luciana Guilherme, a publicação apresenta a experiência durante os quatro anos em que Cláudia esteve à frente da secretaria. Elas descrevem as políticas de interiorização e descentralização que foram formuladas e implementadas em todo o estado e fazem um registro do relacionamento da Secult com o MinC na construção do Sistema Nacional de Cultura.
Em entrevista ao Cultura e Mercado, Cláudia fala sobre democratização do acesso aos bens culturais, importância do trabalho acadêmico, profissionalização do setor, editais e desafios do desenvolvimento de um plano de cultura, entre outros assuntos. Confira na íntegra:
Cultura e Mercado – Na primeira parte do livro você diz que a valorização das políticas públicas de cultura no Brasil foi historicamente sazonal e que, embora presentes nos palanques dos candidatos ao Legislativo e ao Executivo, os discursos não se reverteram em projetos de lei capazes de garantir políticas e programas que proporcionassem uma efetiva descentralização e democratização do acesso aos bens e serviços culturais. Onde estamos errando?
Cláudia Leitão – A atividade legislativa implica na pressão diuturna dos grupos sociais em busca da satisfação de suas demandas. Na área da cultura essa pressão historicamente só se deu a partir  das demandas/lobbies das indústrias culturais. Só recentemente as minorias começaram a se organizar para cobrar de vereadores, deputados estaduais, federais e senadores uma agenda para suas demandas no campo cultural. É o caso da Lei Cultura Viva e do Marco Civil da Internet. Essa legislação é importante, mas ainda temos muito a avançar no campo dos Direitos Culturais, direitos de terceira geração quem constituem parte importante dos Direitos Humanos.
CeM – De que maneira o trabalho da Academia poderia ajudar nesse sentido? Os responsáveis pela formulação das políticas públicas estão atentos o suficiente aos estudos produzidos sobre cultura no Brasil?
CL – Os estudos culturais vêm se ampliando, mas ainda são esparsos e não se encontram disponíveis em plataformas que permitam acesso dos mesmos a um maior número de brasileiros. Por essa razão, a produção de dados e de conhecimento na área da cultura não contribui como poderia para a formulação de políticas públicas. Por isso, precisamos de Observatórios nas Universidades que sejam apoiados pelas instituições de fomento à pesquisa (como as Fundações de Amparo à Pesquisa, presentes em todos os estados brasileiros) e pelo Ministério da Cultura que, por sua vez, dialoguem com o IBGE e o IPEA na produção de  dados, de séries históricas, enfim, de novos indicadores  que viabilizem o conhecimento para o reconhecimento  das vocações culturais e do seu potencial para o desenvolvimento local e regional no Brasil.
CeM – No livro você conta que, até ser convidada para ser secretária de cultura do Ceará, não tinha refletido sobre a cultura organizacional das organizações culturais. O que aprendeu com relação a isso?
CL – Muito! As organizações públicas de cultura têm características próprias, em função da sua Missão e Visão. Trabalhar com bens intangíveis exige do gestor expertise no campo da gestão e no da cultura, além de criatividade para driblar obstáculos de todas as ordens ( jurídicos, políticos, financeiros, entre outros…).
CeM – O que caracteriza um bom gestor cultural?
CL – Penso que um bom gestor cultural não pode ser somente aquele indivíduo que domina teoricamente os significados da cultura, ou ainda que, empiricamente, é protagonista do campo cultural. Para ser um bom gestor cultural é também necessário não subestimar a importância do conhecimento em gestão, que é condição necessária para a efetividade na implementação das políticas, programa e ações no território.
CeM – Você acredita que nos últimos anos tivemos mais profissionais da cultura se dedicando a serem bons gestores, ou ainda há uma grande carência para essa função?
CL – Apesar dos esforços, há ainda uma grande carência de formação no país para que se desenvolvam competências relativas à gestão cultural. As Universidades e seus cursos de Administração ainda não se debruçaram com afinco na produção de estudos relativos à Gestão Cultural (da mesma forma como os cursos de Economia não o fizeram em relação à Economia da Cultura e o Direito no que se refere aos Direitos Culturais). Necessitamos avançar na Gestão Cultural através do tripé universitário do ensino, pesquisa e extensão, além de ampliar a formação da gestão cultural através de cursos livres, permitindo aos gestores, que não viveram uma educação formal, a possibilidade de empreender na área cultural.
CeM – O que um gestor cultural precisa ter em mente para desenvolver um bom plano de cultura?
CL – Primeiramente é preciso acreditar que não é possível gerir sem planejar. Depois é preciso garantir na construção do Plano uma oitiva ampla, transversal e transdisciplinar. Por outro lado, é preciso, ao produzir o Plano, colocá-lo “em cima da mesa”, considerá-lo um “plano de vôo”, ou seja, um documento essencial para o dia-a-dia da gestão. Por último, é preciso ter consciência de que o Plano estabelece o que se quer fazer, a direção de onde se quer ir, definindo quais são as prioridades assumidas. Um bom Plano é aquele que pode e deve ser mudado, em função do necessário monitoramento e avaliação a que todos os Planos devem se submeter ao longo das gestões.
CeM – Qual é a melhor maneira de promover a participação da sociedade civil nesse processo?
CL – É necessário criar canais e instâncias contínuas de diálogo com a sociedade, a partir de suas representações mais diversas. Por isso, é necessário dar institucionalidade à cultura. Os conselhos, fóruns, as consultas públicas, através das redes sociais, são espaços e práticas importantes de troca entre governo e sociedade para a formulação, a implementação e o monitoramento de políticas públicas culturais.
CeM – Quais são os principais desafios de um gestor cultural no momento de formular e implementar políticas públicas de cultura?
CL – Sair de sua sala! Um gestor cultural precisa se por em movimento para conhecer os territórios e as suas respectivas populações. Políticas públicas não se fazem em gabinetes! Elas são fruto de um diálogo contínuo entre governos e sociedade. Só assim as políticas culturais se tornarão verdadeiramente públicas, e passarão a corresponder aos anseios daqueles que contribuíram na sua formulação e implementação.
CeM – Qual o papel e a importância dos editais em uma política pública de cultura? E como evitar que os produtores fiquem dependentes deles?
CL – Editais são instrumentos, não são políticas. Como instrumentos de democratização do acesso (da etapa da criação a do consumo cultural) eles são importantes e devem ser aperfeiçoados. O melhor edital sempre será o próximo edital, ou seja, pela sua própria natureza, os editais carecem de constantes atualizações, revisões e retificações. Com a formulação de políticas estruturantes de financiamento e fomento à cultura, no entanto, os editais e as leis de incentivo à cultura certamente passariam a ter um papel mais secundário para os produtores culturais brasileiros. É o que o campo cultural aspira, mas que ainda estamos longe de viver.
CeM – No livro você também fala sobre a importância de marcos legais que contribuam para a consolidação do campo cultural brasileiro e conta da experiência de mudança de algumas leis no Ceará, em pouco tempo. Como conseguiram?
CL – Tratando a cultura como um eixo estratégico e suprapartidário de desenvolvimento. Enquanto secretária da cultura, tive uma relação muito próxima, nos quatro anos da minha gestão, com os deputados estaduais, por exemplo, na construção e aprovação do Sistema Estadual de Cultura, e com os vereadores dos 184 municípios do Ceará, para a indução da criação dos Sistemas Municipais de Cultura. Sem leis, os programas tendem a desaparecer quando os governos mudam. Precisamos estar atentos a isso.
http://www.culturaemercado.com.br/gestao/reflexoes-sobre-politica-e-gestao-culturais/

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