Produção cultural do País sofre corte de investimento em ano de Copa

Redução de patrocínio em 2014 pode ter reflexos ainda maiores em 2015

Flavia Guerra e Maria Eugênia de Menezes – O Estado de S. Paulo
'Quem Tem Medo de Virginia Woolf' - Divulgação
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‘Quem Tem Medo de Virginia Woolf’

Os protestos contra a Copa do Mundo, que prometem ocupar as ruas nos próximos meses, também se espraiam pelo setor cultural. Produtores, realizadores e captadores estão preocupados com os efeitos do evento esportivo sobre o cenário artístico das grandes capitais brasileiras. “Conseguir verba está complicado este ano”, acredita o captador cultural José de Lorenzo Messina. “A atenção das empresas está mais voltada para o esporte.”
Para quem já captou o dinheiro e precisa apresentar as produções, a situação não é mais fácil. Será preciso repensar estratégias de programação. “Vamos ter que ser criativos e inventar em alternativas para levar as pessoas para os teatros, cinemas e afins”, argumenta o exibidor Adhemar Oliveira.
Para os profissionais da cultura, a realização da Copa do Mundo no Brasil não é motivo de festa. “Este é um ano mais difícil para a cultura. Não só na programação, mas também na captação de verbas para projetos por meio das leis de incentivo. As empresas dão prioridade a eventos e projetos ligados ao futebol”, diz o captador José Carlos Messina, CEO na Unideias e presidente do conselho de administração na organização social de cultura Abaçaí.
A criatividade tem sido a tônica para driblar a situação. “Muitos produtores culturais estão se desdobrando para manter sua programação e seu ritmo”, comenta Messina, responsável pela captação de grandes exposições, entre elas Retratos da Vida de Amadeo Modigliani e Caravaggio e Seus Seguidores, ambas realizadas em 2012 no Masp.
Se a seleção fizer uma boa campanha, a perspectiva é ainda pior, acredita Adhemar Oliveira, diretor de programação dos circuitos Itaú, Cinearte e Cinespaço de Cinema. “O País entra em clima de euforia e as atenções se voltam completamente para o evento. Produção e programação sofrem. Amigos produtores reclamam que está mais difícil viabilizar peças, projetos, eventos e filmes”, comenta ele.
Nos cinemas, a tendência é criar um hiato. “Os distribuidores estão querendo adiantar ou atrasar os lançamentos dos filmes. Teremos que inventar soluções”, acrescenta Oliveira.
No teatro, a situação causa ainda mais apreensão. Produtor teatral e representante da APTR – Associação dos Produtores de Teatro do Rio, Eduardo Barata usa a palavra “pânico”para definir sua expectativa em relação à Copa. “Já tivemos uma péssima experiência durante a Copa das Confederações e a visita do Papa – quando os teatros ficaram vazios. Não pretendo estar com nenhuma produção em cartaz”, declara. “Julho costuma ser um mês muito bom, mas vamos perder este ano. Em 2014, o teatro terá apenas 10 meses. Serão dois meses completamente perdidos”, aponta o produtor.
O ritmo nos departamentos de marketing que lidam com cultura já está desaquecido desde o final de 2013. Para Messina, “o teatro e as grandes exposições saíram perdendo. Os diretores de empresas que são habituais patrocinadoras de cultura não estão orientados para este tipo de evento nesse ano. O negativo é que não se recupera essa energia. Não é o caso de se criticar o esporte, mas de constatar esta tendência”, aponta o captador, para quem a aprovação dos projetos culturais por meio das leis de incentivo sempre foi uma questão problemática.
“Em 2012, foram aprovados 7.888 projetos pelo Ministério da Cultura. Só 42% deles foram captados e receberam algum tipo de aporte. Do valor total que foi aprovado, apenas 24% foi captado. Este ano, isso está ainda mais complicado. O resultado vai ser sentido em 2015”, diz Messina. “As pessoas veem as leis que preveem dedução do imposto como uma forma de fazer com que suas marcas apareçam. Como o esporte está em evidência, é lá que querem estar.”
O saldo da Copa não deveria ser necessariamente negativo, se as cidades tivessem se preparado para isso. Eduardo Barata reclama da ausência de políticas direcionadas para a cultura durante o período dos jogos. “Os restaurantes e estádio estarão cheios, mas os teatros ficarão vazios. Não é uma única esfera do poder público, são todas. Na federal, estadual ou municipal, ninguém se organizou para oferecer programação cultural para os turistas que estarão aqui. Sem um esforço de comunicação, como essas pessoas ficarão sabendo da oferta de arte?”
Se os eventos culturais perderam atenção, os projetos que unem cultura e esporte saem na frente. “É fato. O Memória do Esporte Olímpico Brasileiro está indo muito bem. Já estamos na terceira edição. As inscrições cresceram 40% este ano”, comenta Daniela Greeb, coordenadora do projeto Memória do Esporte Olímpico Brasileiro e diretora Geral no IPR – Instituto de Políticas Relacionais. “Por outro lado, tenho um projeto de pontos de leitura de ancestralidade africana, que são em quilombos e terreiros, para o qual não consigo captação. É uma questão importante, mas o recurso oficial está indo para o CEU dos Esportes”, relata ela.
A despeito das dificuldades, a interligação entre as duas áreas pode ser benéfica. “Apesar de serem assuntos independentes – pois há a Lei do Esporte e a Lei Rouanet e uma não interfere na outra –, há projetos que unem as duas áreas e têm tudo a ver com a cultura brasileira”, observa Messina. Ele relata uma pesquisa que teria detectado que, para o brasileiro, o futebol tem tanta importância quanto a cultura. “Ou seja, para os brasileiros futebol é cultura”, argumenta o captador. Mas os diretores das empresas não pensam bem assim. “Para os projetos de esporte, recebo ligações de investidores. Já para cultura, às vezes nem me atendem”, diz ele. “Tem de haver a combinação de Cultura Mais Esporte e não Cultura Menos Esporte”, conclui.
o Estado de São Paulo

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