Coprodução entre Brasil e Argentina ainda é “inviável”, dizem diretores
Fabíola Ortiz
Do UOL, no Rio

Festival do Rio 201457 fotos

29.set.2014 – O diretor Daniel Burman promove o filme “O Mistério da Felicidade” ao lado dos atores Inés Estévez e Heitor Martinez no Festival do Rio, no Rio de Janeiro Anderson Borde / AgNews

As coproduções internacionais entre Brasil e Argentina são “inviáveis”, admitiu ao UOL o cineasta argentino Daniel Burman, um dos produtores do premiado “Diários de Motocicleta” (2004), dirigido por Walter Salles. Ele critica o que chama de “assimetrias” em relação ao processo de formalização oficial de uma coprodução ao considerar extremamente burocrático.
Burman, 41, que já dirigiu “Tese Sobre um Homicídio” (2013) com Ricardo Darín e “Ninho Vazio” (2008), veio ao Brasil para participar do Festival do Rio e promover a comédia romântica “O Mistério da Felicidade”, justamente uma coprodução entre Brasil e Argentina.
Considerado por críticos o “Woody Allen latino-americano”, Burman fecha o tom na hora de falar de parcerias internacionais com o Brasil. “Se não houver uma modificação substancial na forma de produzir filmes com o Brasil, não haverá coprodução. Há uma assimetria tal que torna totalmente inviável fazer uma coprodução oficial”.
Durante o festival de cinema, o UOL esteve com diretores argentinos para entender o que faltam aos dois países para que as relações no mundo do cinema sejam mais amigáveis. Para Burman, não é a diferença do idioma que prejudica e, sim, a morosidade administrativa.
No longa de Burman, grande parte do filme é gravada em Buenos Aires. No Brasil, a praia de Grumari, no Rio de Janeiro, foi o cenário escolhido para a segunda parte do longa. Os protagonistas Guillermo Francella, Fabián Arenillas e Ines Estévez são argentinos. E parte da equipe de filmagem e a atriz Claudia Ohana, no elenco, são brasileiros.
“Foi muito intenso e oxigenante”, definiu Burman ao comentar a experiência de gravar uma parte do filme com uma equipe argentina e, depois, com brasileiros. “A dinâmica de trabalho e o rigor eram muito parecidos. Fizemos uns takes na praia de Grumari com uma grua grande e muitas complicações possíveis, mas nada pareceu de fato complicado. Foi um verdadeiro prazer e me deu vontade de continuar filmando no Brasil. Tive uma equipe excelente e ótimas condições de trabalho”.
A barreira é estrutural
Para ele, o grande desafio foi conjugar os prazos e as exigências governamentais para legitimar as coproduções. “O idioma não atrapalha em nada, o que atrapalha são os tempos de aprovações que deveriam ser igualados. É preciso diferenciar. A coprodução como uma tentativa entre duas entidades privadas tem um potencial enorme e o trabalho é muito fácil. Mas planejar uma coprodução internacional a nível oficial é quase inviável”.
Walkiria Barbosa da Total Filmes, a produtora brasileira do filme de Burman no Brasil, disse ao UOL que o projeto acabou virando um coprodução privada em razão da demora de nove meses para o reconhecimento do projeto. “A etapa de aprovação do projeto para captação demorou muito e fez com que a gente, perante a lei, não pudesse ter os benefícios fiscais”.
Barbosa admite que já houve outros casos de demora em coproduções internacionais que acabaram por inviabilizar as parcerias oficiais, como em “O Mistério da Felicidade”. “O modelo é muito complexo, burocrático e não atende as necessidades dos timings de uma coprodução. Mas agora estamos trabalhando para se ter um novo modelo de construção desses contratos. Estamos conversando com a Ancine sobre a necessidade de aprimorar e estamos trabalhando em conjunto para resolver isso”.
Barbosa sugeriu a criação de um fundo privado para financiar coproduções como uma via alternativa. “Temos que partir para a criação de fundos privados para investir nas produções internacionais. Em qualquer lugar do mundo há investimentos privados e governamentais para um projeto cinematográfico. Temos que fazer com que a iniciativa privada veja na coprodução internacional uma oportunidade”.
 
Reprodução

Alice Braga e Gael García Bernal em cena do filme argentino “El Ardor”, de Pablo Fendrik

 
O futuro do cinema latino-americano
Já Pablo Fendrik, 41, faz estreia no Festival do Rio de seu filme “El Ardor”, um western ambientado na floresta tropical e protagonizado pelo mexicano Gael García Bernal e pela brasileira Alice Braga. O filme, sua primeira coprodução com o Brasil, é gravado na região das Missões, na Argentina, e também traz Chico Díaz no elenco, o “Buda dos atores”, brinca Fendrik.
Ao contrário de Burman, a língua portuguesa, por ser muito diferente do espanhol, é um desafio na hora de coproduzir com o Brasil, afirmou Fendrik, pois é preciso que a coprodução se mostre natural na tela do cinema. No caso de “El Ardor”, esta parceria foi natural porque era uma zona de fronteira e os personagens falavam portunhol.
Para ele, as coproduções internacionais são sempre complexas. “Não há nenhuma que seja um passeio pelo parque. Os tempos das burocracias em cada um dos países são distintos e é uma combinação de fatores. Se não houver vontade política torna-se muito complicado”, disse ao UOL.
O interesse em realizar parcerias entre Brasil e Argentina é recente e tem se tornado mais efetivo nos últimos cinco anos. “Antes não havia interesse de nenhum dos lados”, contou. Na sua opinião, o futuro do cinema latinoamericano é de coproduções. “É louco pensar que a Argentina tenha desenvolvido uma tradição com a Europa muito mais rica que com o Brasil. Hoje há um futuro interessante na coprodução latinoamericana”, assegura Fendrik em tom otimista que sonha em ter Wagner Moura em algum de seus filmes.
Simbiose entre Brasil e Argentina
Enquanto o cinema brasileiro cresce sempre de olho no seu mercado interno e na bilheteria, os filmes independentes argentinos de baixo ou médio orçamento deslumbram sem se preocupar com o tamanho do público. O desafio para ter Brasil e Argentina numa fórmula de sucesso, na opinião dos dois cineastas, é buscar uma “simbiose” entre as experiências dos dois países.
O cinema argentino independente pode contribuir pela sua enorme variedade de temas e por saber fazer muito com pouco –Fendrik conta que seus primeiros longas não custavam mais de US$ 30 mil. “Acho que o cinema independente do Brasil pode conhecer aspectos sobre como é fazer cinema com relativamente pouco dinheiro. O cinema argentino não depende se vão muitos espectadores”.
Já Burman complementa ao surpreender-se do potencial do mercado interno brasileiro que “permite quase uma autossuficiência”. Ele brinca que o país “pensa grande” e que sua bilheteria permite praticamente autofinanciar um projeto de cinema.
“São diferentes dimensões. Temos o espanhol, um idioma que viaja mais porque está distribuído no mundo e é interessante essa articulação entre uma produção que tem um enorme mercado doméstico. Eu vejo um espírito complementar”, disse Burman, que já tem realizado desde final de 2013 intercâmbios com a televisão brasileira, especialmente com a Rede Globo e a Globo Filmes.

Fonte: Uol.com.br

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