A seleção natural do crowdfunding no Brasil: hoje há mais arrecadação e menos plataformas

Breno Castro Alves – 21 de agosto de 2015
Tela de abertura do O cidade para pessoas, projeto de Natalia Garcia, mantido por crowdfunding, que investiga novas possibilidades para as cidades.
Tela de abertura do O cidade para pessoas, projeto de Natalia Garcia, mantido por crowdfunding, que investiga novas possibilidades para as cidades.
Após quase cinco anos do lançamento das primeiras plataformas no país, o cenário do crowdfunding brasileiro está alcançando alguma estabilidade. Das cerca de 80 plataformas que já testaram o modelo por aqui, hoje sobraram pelo menos 24 com campanhas ativas. Apesar da diminuição do número total de iniciativas, boa parte das que ficaram de pé relatam crescimento em projetos inscritos e arrecadação, apontando para a seleção natural e consolidação do setor.
O termo crowdfunding vem do inglês e significa financiamento pela multidão. A prática, que é uma evolução da boa e velha vaquinha, agora mediada pelas ferramentas digitais, começou a tomar forma em 2005 e ganhou escala a partir de 2009, com o lançamento do Kickstarter nos EUA. No Brasil, fincou raízes em 2011, ano em que tivemos uma safra de plataformas pioneiras: CatarseQueremos!Benfeitoria e Sibite, sem falar do Vakinha.com.br, que já existia mas ainda não se entendia como crowdfunding.
Por aqui, o crowdfunding apareceu como uma possibilidade fresca para financiamento independente: de repente, grupos de ativistas e outros diletantes da cultura digital conseguiriam levantar dinheiro não vinculado a empresas ou ao Estado, sem rabo preso com interesses alheios, e assim parecia que seus sonhos se tornariam realidade. O Catarse, a primeira plataforma do país, apareceu propondo este tipo de financiamento cultural e como consequência as primeiras levas de projetos bem sucedidos na plataforma envolvem maluquices como a compra do Ônibus Hacker, que até hoje leva nerds maravilhosos para viajar e interveir pelo interior do América do Sul, e o lançamento do Cidades para Pessoas, projeto que tomou corpo ali e segue de pé, utilizando o jornalismo para redesenhar nossas cidades.
O ônibus hacker, viabilizado por crowdfunding, deu mobilidade às ações de hackerismo cívico que seus membros já praticavam.
O ônibus hacker, viabilizado por crowdfunding, deu mobilidade às ações de hackerismo cívico que seus membros já praticavam.
Um segundo movimento envolve o financimento de obras culturais autorais, principalmente música e quadrinhos. Viktor Chagas, pesquisador do Departamento de Estudos Culturais e Mídias da Universidade Federal Fluminense, avalia que o crowdfunding brasileiro tem se especializado em um gênero de microfinanciamentos, ocupando uma lacuna importante no mercado cultural nacional: “A Lei Roaunet (mecanismo federal de arrecadação para projetos culturais) foi um avanço importante, mas seu resultado se mostrou desanimador para os produtores culturais independentes, que atuam em uma faixa de orçamento média ou baixa, em setores produtivos que rendem pouca contrapartida às empresas patrocinadoras”.
Ele entende que é desta demanda que parte uma quantidade expressiva de curtas-metragens, projetos de histórias em quadrinhos, jogos e outros nichos que não encontram escoamento nos mecanismos tradicionais de apoio à cultura:

“O mercado de quadrinhos é um caso interessante no qual o crowdfunding foi fundamental nos últimos anos. Mudanças na diversidade da produção nacional puderam ser sentidas em pouco tempo”

Outra expressão de crowdfunding que está crescendo no país é a doação direta, ou seja, as campanhas sem expectativa de retorno em produtos ou facilidades ao doador. Diversos sites dedicam-se exclusivamente a este tipo de financiamento, que vai desde a compra de uniformes para a creche Pequeno Rebento, como faz o juntos.com.vc, até o financiamento de cirurgias e outras operações de saúde, praticado pelo CaridadeX. O Bicharia é semelhante, mas especializado em doações para animais.
UM CROWDFUNDING À BRASILEIRA
O cenário brasileiro, porém, é contrário à direção praticada no restante do mundo, onde a boa parte das campanhas são destinadas à pré venda, com empresas buscando financiamento para o desenvolvimento de novos produtos. Os interessados adquirem o tal produto a um preço menor do que será praticado no mercado final, financiando sua criação e o desenvolvimento da própria empresa. Não raro, porém, estas iniciativas falham e os apoiadores se veem sem o produto em mãos. Parte do risco do investidor.
Por outro lado, gadgets, jogos e outras invenções que acertam em cheio a cultura pop recebem um financiamento muitas vezes superior ao que pediram. O maior sucesso da história é o jogo Star Citzen, que pediu 500 000 dólares e já recebeu 87 milhões, 174 vezes mais do que a proposta inicial. Ele é baseado no popular Wing Commander, um clássico dos anos 90 envolvendo uma guerra alienígena e naves espaciais, que foi descontinuado pela empresa que o criou. Os fãs seguiram fiéis e tornaram o Star Citzen milionário.
Star citzen foi a maior campanha de crowdfunding da história, arrecadando 87 milhões de dólares.
O desenvolvimento do jogo Star Citzen foi a maior campanha de crowdfunding da história, arrecadando 87 milhões de dólares.
No Brasil, porém, ainda são raros os projetos de tecnologia. Além disso, a defasagem em volume financeiro entre o mercado brasileiro e o mundial é enorme. Em 2011, ano em que as primeiras plaformas foram lançadas no país, um total de 434 plataformas já movimentavam 1,5 bilhão de dólares mundialmente. A Massolution, empresa dos EUA que pesquisa e presta consultoria para o setor, publicou recentemente o trabalho 2015CF – Crowdfunding Industry Report, trabalho que coletou dados de 1 250 plataformas ativas por todo mundo para chegar a uma estimativa de 34,4 bilhões de dólares movimentados em 2015 .
A pesquisa desenha um setor baseado em quatro modelos: recompensas, doações, equity e empréstimos. O maior deles, disparado, é o crowddebt, os empréstimos coletivos, onde o proponente anuncia sua necessidade de empréstimo e os financiadores recebem os juros, praticando uma transação com taxas muito mais interessantes do que aquelas propostas pelos bancos. Este modelo deve movimentar 25 bilhões de dólares este ano.
A prática, que cumpre seu potencial disruptivo em outros países, é impossível no Brasil, pois as regras de nosso Banco Central dificultam o empréstimo entre duas pessoas físicas, não permitindo o modelo do crowsddebt. Mas há um gancho que merece ser melhor investigado: em abril de 2010, antes do Catarse, portanto, surgiu no Brasil o Fairplace, plataforma que propunha o crowddebt e por esse impedimento legal foi forçada a fechar as portas no ano seguinte. Perdemos aí a primeira plataforma brasileira de crowdfunding e um precedente valoroso que teria transformado o setor brasileiro.
Mesmo com essa ressalva, as plataformas mundiais devem movimentar 9,4 bilhões de dólares entre equity, doaçãos e recompensas, número ainda distante da realidade brasileira. O Catarse, a maior plataforma nacional, movimentou 32 milhões de reais em seus quatro anos e meio de atividade, ou 0,1% do que será movimentado no mundo todo apenas este ano, segundo a cotação atual de 3,50 reais por dólar. O Sibite está criando agora a primeira experiência de Crowdequity no país, então daqui a um ou dois anos voltamos para escrever a respeito dessa iniciativa.
diego reeberg, fundador do catarse, assina seu cartão como Malabarista Organizacional
Diego Reeberg, fundador do Catarse, assina seu cartão como Malabarista Organizacional.
Quase não há estudos abrangentes sobre o setor brasileiro. Para a realização desta matéria, duas pesquisas foram avaliadas: um levantamento realizado em 2013 por Ariel Tomaspolski, um dos fundadores da juntos.com.vc; e a sistematização realizada pelo microblobg mapadocrowdfunding.tumblr.com, ferramenta digital onde qualquer um pode inscrever uma plataforma. A primeira pesquisa levantou 64 iniciativas, sendo que destas apenas 38 estavam com campanhas ativas em 2013. A segunda contabiliza 72 plataformas, mas apenas 24 estão com campanhas ativas hoje, apontando a concentração que o setor atravessou até chegar ao momento atual.
A economista e consultora Julia Taunay aponta que é a concentração em um setor é parte de seu desenvolvimento natural. Na indústria clássica, esse processo se dá principalmente por meio de fusões e aquisições, mas isso nunca aconteceu no crowdfunding brasileiro: “A internet é caracterizada pela euforia, ondas de inovação que transformam tudo. Mas não basta uma boa ideia para fazer sua empresa virar, é preciso ter a capacidade de gerir um negócio. Talvez a pergunta mais interessante seja o que fizeram as plataformas que sobreviveram e estão lucrando hoje”.
Diego Reeberg, um dos fundadores do Catarse, entende que modelo de negócios aplicado no Brasil pela maioria das plataformas necessita de escala. Ele, que assina seu email com o cargo de Malabarista Organizacional, diz:

“Muita gente tentou criar plataformas de nicho e viu que é inviável operar sem um retorno razoável. Algumas têm fontes de financiamento externo e não exigem da plataforma sua subsistência, mas quem não tem precisa crescer rápido para se segurar”

Diego também entende que ainda há muito espaço para crescimento e por isso está botando sua empresa na estrada para difundir a prática pelo país.
Conseguimos falar com 8 das 24 plataformas em atividade hoje no Brasil. Dentre elas, quatro superaram a casa de um milhão de arrecadação: Benfeitoria, Catarse, Juntos.com.vc e Sibite. Em comum, todas estão no ar desde 2011 ou 2012 e apresentam um foco mais generalista, cobrindo uma ampla gama de projetos, principalmente na área da cultura. De anos mais recentes vêm as plataformas setoriais, mais focadas, como a Socialbeers, que financia cervejas artesanais, ou a Bookstart, que faz toda a campanha ao redor do lançamento de um livro. Existe também a Mobilize, uma plataforma de crowdfunding dentro do Facebook. Além delas, existe e está de pé a plataforma Vasco Dívida Zero, que pretende pagar a dívida de mais de 94 milhões de reais do clube carioca. O número é alto, mas a plataforma já arrecadou 1,088 milhão. Boa sorte aos vascaínos.
Abaixo, seguem as fichas detalhadas das 8 plataformas. Esta pesquisa, porém, não está encerrada. É possível que existam mais plataformas em atividade. Caso você queira complementar esta reportagem com informações sobre alguma plataforma listada ou conheça uma outra plataforma em atividade não mencionada aqui, escreva para [email protected].
Em ordem alfabética, as fichas:
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