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Produção Cultural : Reflexões sobre uma nova ordem

Reflexões para uma nova ordem cultural

Entre a urgência por recursos e a falta de políticas públicas para o setor, especialistas discutem modelos de financiamento para projetos artísticos

cultura

Magazine convidou especialistas para discutir alternativas de fomento
JOYCE ATHIE

A esperada, embora desestruturante, notícia sobre o fim dos recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais ainda no mês de março, reforçou uma já percebida necessidade de reformulação. Não apenas na lei, mas na forma de se tratar a cultura no país.
Em tempos de movimentação no setor, com avanços e retrocessos, como a diminuição do orçamento para a cultura, implementação do Sistema Nacional de Cultura e processo de aprovação do Procultura e, em nível municipal, discussões sobre o Plano de Cultura de Belo Horizonte, o Magazine convidou alguns pesquisadores para refletir sobre possíveis novos rumos para a cultura no país, sem, no entanto, pretender esgotar a complexidade do assunto.
O cenário é de dependência e de discussão sobre o papel do Estado na cultura. Criada em 1991 como um estímulo ao investimento das empresas privadas no setor, a Lei Rouanet tinha data para encerrar sua atuação. Como nos lembra o pesquisador do Observatório da Diversidade Cultural José Oliveira Júnior, esse prazo terminaria em 2001, mas foi prorrogado para 2011 e se estende até os dias de hoje, em um período de frequentes e gritantes distorções da lógica inicial proposta pela ferramenta de incentivo e financiamento.
Os dados reforçados por recentes falas do ministro da Cultura, Juca Ferreira, são sintomáticos de uma doença: apenas 20% dos projetos apresentados ao Ministério da Cultura conseguem captar recursos no mercado, sendo que 80% ficam concentrados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Dentro desses dois Estados, 60% ficam em suas capitais. Fora os números, a situação torna-se ainda mais delicada ao se avaliar as características dos projetos que estão em concordância com o retorno de imagem das empresas patrocinadoras. Os casos polêmicos de projetos de grande apelo comercial que não necessitariam do incentivo do dinheiro público são muitos: Cirque du Soleil, Claudia Leite, Luan Santana, Pedro Lourenço, Maria Bethânia e outros mais.
Mas nada disso é novidade, apenas reforça a dependência do setor cultural ao investimento privado realizado com dinheiro do cidadão. “As leis de incentivo, em sua modalidade singular brasileira, adquiriram uma centralidade no financiamento à cultura totalmente desproporcional e equivocada. Em alguns momentos, tornaram-se a única fonte de financiamento à cultura. Na maioria dos países onde essas leis existem, elas funcionam em conjunto com outros mecanismos. Hoje, elas são o centro do financiamento no país, com muitos e graves defeitos”, aponta Antônio Albino Canelas Rubim, professor, especialista em política cultural e secretário de Estado da Cultura da Bahia entre os anos de 2011 a 2014.
Para Bernardo da Mata Machado, atual secretário-adjunto de Estado de Cultura de Minas Gerais e ex-secretário de Articulação Institucional do MinC, o papel do setor público na cultura precisa ser repensado. “No início dos anos 80, quando nós optamos – digo nós, gestores públicos e segmentos culturais – pelo mecanismo do incentivo fiscal, havia um consenso em torno da ideia de que o ‘Estado não faz cultura’. Penso que essa ideia tem de ser revista. Não se pode confundir política cultural de Estados totalitários, todas de triste memória, com políticas culturais de Estados democráticos. Acho que os segmentos culturais já estão maduros para compreender e reivindicar a concretização do que reza nossa Constituição: ‘O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais’”, reflete Bernardo.
nova lógica. Como uma proposta inicial que esboça uma modificação na lógica de dependência do mercado, foi criado o Procultura, projeto que faz uma revisão da Lei Rouanet. De forma sucinta, o Procultura pretende dar maior destaque ao Fundo Nacional de Cultura, sem eliminar o mecanismo do incentivo fiscal, que vigora no país desde 1986 com a criação da Lei Sarney (depois extinta), e tornar mais igualitária a distribuição de verba para a cultura entre Estados e municípios.
O Procultura está em tramitação no Congresso Nacional desde 2009. “Penso que um dos motivos que dificultam a aprovação do projeto seja a resistência de forças econômicas, mas também culturais, que formaram uma poderosa rede de interesses que se sentem ameaçadas pela nova legislação. Basta consultar a lista dos principais patrocinadores, captadores de recursos e também de proponentes de projetos culturais para identificar a existência dessa rede”, instiga Bernardo.
No Procultura, o fortalecimento dos fundos públicos, em equilíbrio com os recursos destinados para renúncia fiscal, retira das mãos dos departamentos de marketing a escolha dos projetos que serão incentivados e tem como princípio a garantia da diversidade de linguagens artísticas e formas de expressão cultural. “Os fundos têm maior capacidade de atendimento, desde que sejam democráticos, republicanos, transparentes e suas comissões de seleção sejam qualificadas e tenham autonomia nas suas decisões”, pondera Antônio Albino.
Mata Machado toma como exemplo o modelo implantado no Rio Grande do Sul. As empresas que se beneficiam dos incentivos fiscais devem retirar do próprio bolso a contrapartida de 25% do valor do projeto que patrocina. Essa porcentagem é destinada para os fundos de cultura. “Dessa forma, os fundos funcionariam como mecanismos de compensação das desigualdades que resultam da renúncia fiscal, especialmente as desigualdades regionais, já amplamente constatadas”, explica Mata Machado.
Lia Calabre, historiadora e pesquisadora dedicada aos estudos sobre políticas culturais, hoje presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, pondera, no entanto, que iniciativas como a do Rio Grande do Sul, que reforçaram os fundos, apresentam também outros modos de financiamento da cultura. Segundo ela, eles vão desde o fomento direto até mesmo à lei de incentivo, com empréstimos reembolsáveis e outros a fundo perdido, ou ainda microcréditos. “Enfim, o caminho para a solução está vinculado, por um lado, a um conhecimento dos públicos a serem atendidos e, por outro, à capacidade de diversificar as ferramentas de financiamento”, afirma Calabre.
É essa diversificação que a Bahia tem apresentado como modelo, conforme conta Antônio Albino. “Tornamos o Fundo de Cultura a maior fonte de financiamento no Estado, perfazendo algo em torno de 2/3 a 3/4 do financiamento estadual. Mantivemos o FazCultura (lei estadual de incentivo da Bahia), que só permite 80% de isenção, pois achamos fundamental que as empresas também aportem recursos delas para a cultura. Além disso, temos linhas de microcrédito. Buscamos construir um sistema de financiamento complexo adequado à complexidade do campo cultural e às políticas de diversidade cultural. Claro que isto é só o começo”, afirma o ex-secretário.

 Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/reflex%C3%B5es-para-uma-nova-ordem-cultural-1.1043657

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