Somos Tão Jovens e Faroeste Caboclo vão bem de público, com, respectivamente, mais de 1,6 milhão de ingressos vendidos após um mês em cartaz e mais de 500 mil em sua primeira semana. Mas, a história recente do cinema nacional confirma, são duas exceções – como o foi Gonzaga, de Pai para Filho no ano passado: se há uma regra entre os últimos sucessos de bilheteria é que eles são comédias populares, filmes da onda que vem sendo apropriadamente chamada de Globochanchada.
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O paradoxo se dá no exame da ponta de baixo da tabela de arrecadações das produções brasileiras: diferentemente do que se verifica na ponta de cima, há diversos longas festejados pela crítica e premiados em festivais. Filmes “relevantes” do ponto de vista artístico e do desenvolvimento da linguagem, “irrelevantes” no que se refere ao mercado – para repetir dois termos usados pelo decano da crítica Jean-Claude Bernardet e reproduzidos em artigo recente da vice-presidente da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), Ivonete Pinto, publicado na revista Teorema.
Atual e instigante, o tema inspira o seminário Cinema Brasileiro para Quem?, que a Associação de Críticos do Rio Grande do Sul (Accirs) promove, às 15h deste sábado, na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana (a entrada é franca, mas o lugar pode ser garantido antes, com o envio de e-mail para [email protected]). Além de Ivonete, e da presidente da Accirs, Mônica Kanitz, estarão na mesa de debates o cineasta e roteirista Jorge Furtado, o diretor e montador Eduardo Escorel e o presidente da Abraccine, Luiz Zanin Oricchio.
Ao fim da tarde, a Accirs promoverá ainda a entrega dos prêmios Destaque Gaúcho de 2012 para os longas-metragens Espia Só, de Saturnino Rocha, e O Liberdade, de Cíntia Langie e Rafael Andreazza. Às 19h, também gratuita, haverá a exibição, em pré-estreia, do documentário Doméstica, de Gabriel Mascaro – destacado exemplar daqueles títulos premiados em festivais (em Brasília, entre outros), elogiados pela crítica (já estreou em Rio, São Paulo e Belo Horizonte) e inevitavelmente condenados a obter resultados não muito alentadores de bilheteria (levou pouco mais de 2 mil pessoas aos cinemas até aqui).
Inevitavelmente?
– Acho que o maior problema é o mercado – responde Zanin, ao ser perguntado por ZH se performances tão baixas se justificam pela falta de espaços de exibição ou por um certo hermetismo dos filmes. – Há projetos formatados para guetos, mesmo, que não dialogam com um público mais amplo. Mas o circuito exibidor foi se moldando de uma forma que, hoje, qualquer coisa que não seja blockbuster encontra muitas dificuldades de ao menos tentar estabelecer esse diálogo.
Incentivo fiscal em xeque
Alguns desdobramentos desse grande debate devem ganhar destaque hoje à tarde. Um deles: o financiamento com renúncia fiscal. É no mínimo estranho que um filme de mercado, moldado para competir com os blockbusters, receba o mesmo tipo de incentivo que o cinema empenhado em explorar a linguagem de forma diferenciada – este que só encontra lugar no circuito alternativo.
– Não vejo problema se o público prefere as comédias – pontua Ivonete Pinto. – A França só alcança 50% de market share (ou cota de mercado, que aqui se refere à participação das produções nacionais no total arrecadado nos cinemas do país) graças a esse gênero. O problema é o tipo de comédia no qual se investe. Não é possível defender que o chulismo, sem qualquer tipo de criatividade e com elenco que acha que está no Zorra Total, receba os mesmos benefícios das leis de incentivo.
Em 2012, o market share dos filmes nacionais, no Brasil, ficou em 10,6%. Foram 83 longas brasileiros a estrearem durante o ano, 25,5% do total de títulos exibidos no Brasil (325). O mais bem colocado na lista dos campeões de arrecadação foi Até que a Sorte nos Separe, com 3,3 milhões de ingressos vendidos – nona melhor marca do ranking, liderado por Os Vingadores, com 10,9 milhões. Em 2013, De Pernas pro Ar 2, com seus 4,8 milhões de espectadores, está em terceiro (o líder é Homem de Ferro 3, com 7,5 milhões).
Só comédias se aproximam, minimamente, dos arrasa-quarteirões de Hollywood. Pode ser ruim, dada a falta de inspiração da parcela Zorra Total dessa onda do gênero. Há de se cuidar, contudo, como alertou Jean-Claude Bernardet, para que a crítica não se afaste tanto dos anseios populares, como fez nos anos 1950 – “Foi preciso esperar a morte da chanchada para que a elite percebesse que Oscarito e Grande Otelo eram grandes atores, e que Carnaval Atlântida (1952) era um filme político”, escreveu Bernardet.
Há de se ressalvar que uma comédia (Vendo ou Alugo, de Betse de Paula), de certo modo, virou o jogo vencendo o Festival do Recife, no mês passado. Talvez seja o caso de não se considerar tal onda uma massa uniforme. Naturalmente, há porcarias. Muitas. O tempo deve dizer quais sobreviverão.
Fonte : http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/[email protected]

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